O projeto que corrige o teto do Simples Nacional, regime especial de tributação, pela inflação a partir de janeiro, travou na Câmara dos Deputados diante da resistência de partidos como MDB e PT, que avaliam que o tema representa uma pauta-bomba no primeiro ano de governo Lula.
O texto amplia o teto de enquadramento da receita bruta do Microempreendedor Individual (MEI) de R$ 81 mil para R$ 144.913,41, aplicando um reajuste com base no Índice de preços no consumidor (IPCA) acumulado em 16 anos, quando foi criado o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte.
Além disso, altera outras faixas. Para microempresas, o limite passa de R$ 360 mil para R$ 869,5 mil anuais. No caso de empresas de pequeno porte, sai de R$ 4,8 milhões para R$ 8,7 milhões.
A Receita calculou que as mudanças poderiam provocar uma perda anual de R$ 66 bilhões para os cofres públicos.
O deputado Marco Bertaiolli (PSD-SP), relator do texto na Comissão de Finanças e Tributação (CFT), discorda de que a perda de arrecadação alcance esse montante. Apesar disso, ele passou a defender com o relator em plenário, Darci de Matos (PSD-SC), a inclusão de um escalonamento para reduzir a resistência manifestada por partidos contra o texto.
Em vez de atualizar o teto do Simples até R$ 8,7 milhões, Bertaiolli propõe uma correção que leve o limite a R$ 6,4 milhões. O restante seria negociado para valer para 2024, por exemplo.
"Já conversamos com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional que isso é muito possível e viável, e não causa impacto. Nós podemos fazer um degrau, não tem problema. Como ficou muitos anos sem atualizar, a gente atualizaria agora", disse.
Bertaiolli pediu à Receita que refizesse os cálculos com base nesse escalonamento. A renúncia estimada pelo Fisco passou a ser de R$ 34,4 bilhões para União, estados e municípios.
O deputado afirma que não é possível falar sobre renúncia fiscal no caso do Simples porque, na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2022, há um dispositivo que proíbe que a Receita configure o regime desta forma.
"É um tratamento diferenciado, como preconiza a Constituição Federal. Se você não pode, por lei, tratar o Simples como renúncia fiscal, não há como se falar que a atualização do Simples gera renúncia fiscal", argumentou.
Ele defendeu a votação do projeto.
"Agora em janeiro, a Receita Federal faz uma exclusão automática de todas as microempresas que ultrapassarem o limite do Simples Nacional. 380 mil microempresas estão correndo o risco de perder a condição de Simples."
Presidente da Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE), o deputado recolheu assinaturas para tentar votar a urgência do projeto na sessão deliberativa de terça-feira.
"Nós já atingimos o número mínimo de assinaturas para protocolar o requerimento que solicita o trâmite de urgência do PLP [projeto de lei complementar] que atualiza o teto do Simples", disse.
"Hoje [terça] nós fechamos o trabalho de unidade dentro do PSD, junto com deputados dos demais partidos que assinaram, para que a gente consiga convencer o deputado Arthur Lira, presidente da Câmara, a pautar."
Dentre os partidos que assinaram estão PSDB, PL, União Brasil, Podemos, Solidariedade, Novo, Republicanos, PROS e PSD. "Quem está contra é o MDB", disse Bertaiolli.
A posição contrária à votação da urgência foi manifestada pelo líder do MDB na Câmara, Isnaldo Bulhões Jr. (AL), no almoço dos líderes da base. Segundo participantes, ele argumentou ter receio de que a mudança provoque perda de receita a estados e municípios. Lira indicou que só pauta o requerimento quando houver consenso sobre o tema entre os partidos.
Para Isnaldo, o avanço de um projeto "próximo de pauta-bomba" deve ficar para depois.
"Acho um equívoco, dentro da realidade política que a gente está, alimentar a possibilidade de pautar qualquer coisa que seja próximo de pauta-bomba. Nós estamos numa transição", afirmou.
"Não é prudente apreciar esse tipo de matéria neste momento, estamos numa loucura dessa de excepcionalizar Orçamento ou não", acrescentou.
Segundo Bertaiolli, o PT não teria se manifestado sobre o texto. Nos bastidores, parlamentares do partido defendem que o texto seja votado apenas após o início do próximo governo.
A Frente Nacional de Prefeitos (FNP) é contrária à proposta que corrige o teto do Simples diante da potencial perda de receitas para os municípios. Para Edvaldo Nogueira, presidente da entidade, a discussão merece "um estudo mais sistemático".
"Na nossa opinião, não deveria ser votado da maneira que vai ser votado, rapidamente", disse.
Apesar do posicionamento, o prefeito de Aracaju (SE) vê espaço para negociação.
"É possível encontrar uma saída intermediária, a Frente não se coloca contrária de qualquer forma, mas a gente acha que esse projeto, da maneira como ele está sendo elaborado e como está posto, mereceria uma discussão porque pode haver uma perda muito grande de recursos principalmente para as cidades", afirmou.
Procurado, o Sebrae afirmou aguardar análises para se posicionar e disse que precisa de mais elementos para emitir opiniões técnicas.
Paulo Okamotto, do grupo de pequenas empresas da equipe de transição, avaliou que o aumento do teto pode acabar sendo uma forma de subsídio.
"Nós temos que ter uma apreciação política do que significa esse subsídio", disse.
"Por enquanto, vamos ver quais propostas têm no Parlamento, vamos dar uma discutida, porque a micro e pequena empresa tem renúncia fiscal embutida nela. Nós temos de saber se há necessidade", ressaltou.
"Muitas vezes, o pessoal reivindica aumento do teto e, quando você olha, quem está no teto, você percebe que tem meia dúzia de empresas. Tem de fazer um exame mais detalhado”, finaliza.
Com informações da Folha de S. Paulo
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