A prioridade dada pelo governo Lula à reforma tributária reacende o debate da tributação sobre as empresas no Brasil. O país tem uma das maiores alíquotas cobradas do setor corporativo no mundo, de acordo com dados da Tax Foundation, principal organização fiscal independente sem fins lucrativos dos Estados Unidos. O Brasil está na 15ª posição entre 225 países.
A alíquota no caso brasileiro, que era de 35% há mais de 40 anos, chegou a cair para 25% no fim da década de 1990 e está em 34% desde 2001, levando em conta o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Nem todas as companhias pagam esse valor no país. Um estudo do pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Sérgio Gobetti mostra que as empresas no Brasil têm uma alíquota efetiva mais próxima de 24%, por causa de deduções e planejamento tributário.
Mas é a alíquota nominal que é usada para balizar investimentos estrangeiros, por exemplo. E empresas ao redor do mundo também acabam pagando menos imposto do que a alíquota nominal, de maneira que esse parâmetro acaba servindo como base para comparações internacionais.
O estudo da Tax Foundation mostra no topo do ranking Comores, um arquipélago vulcânico na costa leste da África, com imposto de 50%. Em seguida, há uma série de países com alíquotas próximas de 35%, como Argentina, Brasil, Colômbia, Cuba, Venezuela e Suriname.
Na comparação com países da OCDE, o Brasil tem alíquotas maiores que todas as nações que fazem parte do grupo, à exceção da Colômbia. Com imposto de 30%, Austrália, Costa Rica, México e Portugal também encabeçam essa lista na organização.
Reforma em duas partes
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, decidiu fatiar as mudanças no sistema tributário. Ele quer fazer neste semestre as alterações nos impostos sobre o consumo, ao unificar tributos. Na sequência, Haddad quer tocar a reforma do Imposto de Renda, tanto de pessoas físicas quanto jurídicas, mas sobre a qual há poucas informações até agora.
Uma proposta em discussão é reduzir a alíquota corporativa, compensando-a com a volta da tributação de dividendos, hoje isentos, que são parte do lucro de uma empresa distribuído a seus acionistas. A questão que se impõe ao dividir a tributação entre empresas e pessoas físicas é quais alíquotas serão fixadas.
O ex-secretário da Receita Federal Jorge Rachid, consultor tributário, afirma que é fundamental entender como o governo está vendo as contas públicas para saber a disposição em reduzir os impostos para as empresas.
— A redução do Imposto de Renda das empresas vai ser efetiva, vai ser real, mas o ganho da arrecadação em relação aos dividendos pode ocorrer ou não. Porque isso depende de uma série de variáveis, como as empresas continuarem distribuindo os mesmos valores de agora — diz. — O governo está disposto a reduzir o imposto da pessoa jurídica para apostar numa tributação da distribuição de dividendos que poderá ocorrer ou não?
Rachid lembra que a Receita já calculou que, para manter a arrecadação no mesmo patamar, são necessários quatro pontos percentuais de imposto sobre dividendos para cada um ponto de redução de imposto sobre a pessoa jurídica.
O ex-secretário afirma que a tributação sobre dividendos, ainda que largamente utilizada no mundo, estimula distribuição disfarçada de lucros, como colocar contas pessoais como despesas da companhia. Isso, por sua vez, exigiria maior esforço de fiscalização.
— A tributação é concentrada na jurídica, é mais simples, mais efetiva para a administração tributária — recomenda.
O especialista menciona alternativas para a justiça tributária, como a possibilidade de se melhorar a cobrança do IR nas empresas do lucro presumido. Para ele, é preciso cobrar a parcela do lucro que não foi alcançada no recolhimento por estar acima do valor presumido.
Vanessa Rahal Canado, coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Tributação do Insper e consultora em política tributária, afirma que é inescapável dividir a tributação entre pessoa física e jurídica. Ela reconhece que o tributo pago em duas etapas é mais complexo para administração tributária, mas o modelo atual põe o país no alto dos rankings internacionais.
— Outra razão para discutir essa mudança é que a tributação de empresas pequenas acaba ficando muito baixa. A gente tem um gap na tributação corporativa, que seria corrigido com a tributação dos dividendos — defende Vanessa.
Incentivo para não crescer
Para Vanessa, no entanto, é preciso discutir detalhes e regras mais complexos, como a distribuição disfarçada de lucros:
— É muito mais prioritário resolver a subtributação dos regimes, que induz as empresas a ficarem pequenas.
Gobetti, do Ipea, defende a separação da tributação entre pessoas e empresas, com a cobrança de dividendos também como forma de dar progressividade (quem ganha mais paga mais) à cobrança de impostos no país.
— Hoje, todos os países adotam o modelo de tributação dividida na pessoa jurídica e na pessoa física, o que torna inviável manter no Brasil a maior alíquota de Imposto de Renda corporativo do mundo. Isso tem implicação do ponto de vista da competição internacional, inclusive — afirma. — Hoje existe um grande consenso em torno da necessidade de se reduzir a alíquota sobre as empresas e sobre a conveniência de se tributar dividendos.
Para ele, outro ponto para defender a tributação de dividendos é a baixa cobrança de impostos de pequenas e médias empresas, que usam regimes como o Simples Nacional e o lucro presumido:
— A questão é onerar a renda do capital de modo moderado e justo, e na pessoa física, de modo progressivo. Tem várias alternativas para fazer isso.
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